Bem, vocês sabem, eu devia estar estudando, blá
blá blá, mas a vontade de escrever prevalece, fazer o quê? Pela manhã, vindo
para o trabalho (sim, cá estou) na minha Mercedes com motorista que cabem 44
pessoas sentadas e 124 em pé, estava escutando como faço todo dia a Band News,
porque me amarro no Boechat e é uma boa forma de se manter por dentro e
aproveitar o tempo ocioso no translado. Hoje foram entrevistados os autores do
livro "Sem filhos por opção" que, é óbvio, tratam do tema mostrando
como ainda hoje a família que não tem filhos é vista com desconfiança,
principalmente se a opção por esta escolha for da mulher. "Nossa, vocês
são casados e não tem filhos? Ela tem problema? Ele é broxa, quer dizer, tem
disfunção erétil? Ou o leite é ralo, quer dizer, seu sêmen apresenta baixa
contagem de espermatozóides sadios?" são algumas das perguntas normais que
surgem nestas situações. Além disso, uma dose de pressão familiar, dos pais
querendo ser avós, dos irmãos querendo ser tios, do dono da loja de brinquedos
querendo aumentar os lucros. Se for filha única então, arrisca colocar um ponto
final na continuidade do sobrenome e meter um machado na árvore genealógica. Dá
pra ficar bolado, dá não? rsrsrsr
Enfim, conversa vai, conversa vem, eles falam os
prós e contras, explicam os motivos da sua opção, o motivo desta escolha,
piriri, pororó, coisas que vocês devem imaginar muito bem, afinal, ao menos uma
vez já argumentamos sobre isso com alguém próximo que não tem filhos ou que
sabemos não querer. O que me chamou mais a atenção foram os termos utilizados
por eles e a forma como o tema era tratado. Vejam bem, não li o livro, estou
falando de orelhada, vou até comprar pra minha irmã Bibi caveirão que fez esta
opção mas se deu bem porque supri sua falta logo com dois de cara rsrsrs. Pode
ser até que esteja cometendo uma injustiça, mas duvido muito que o que vou
falar esteja lá dentro, ao menos dessa forma.
Eles falaram muito de projetos, pessoais,
individuais, de vida. Que eles tem muitos projetos e que um filho, pra que
fosse educado e amado com qualidade, necessitaria de um tempo que eles não
dispõem no momento, tempo e dinheiro. E nem por isso eles deixam de gostar de
crianças, são professores e ajudam adolescentes em diferentes esferas que não a
paterna/materna. Opção, simples assim, nada a ver com egoísmo e outras besteiras
mais, opção e ponto. Bibi caveirão não é mãe, nunca vai ser, mas despende todo
seu tempo em ajudar os outros como assistente social, principalmente os mais
desfavorecidos. Não existe ligação nenhuma entre os dois fatos, não é que não
gostem de crianças, é simplesmente uma expressão, um reconhecimento de que
"eu não nasci pra isto". Gosto de crianças, acho legal o amor
familiar, seus laços, enlaces e brigas, mas não é a minha. Vou colaborar com o
mundo de outra forma que não procriando, sei lá, cuidando das crianças dos que
procriaram e as largaram no mundo. Mas o que me chamou a atenção mesmo, que me
fez pensar, foi uma alteração fundamental na nossa sociedade, que de tão comum
já hoje parece banal: viramos, todos nós, um projeto.
Eles a todo momento falavam que tinham seus
projetos sociais, que filho é um projeto, que projeto isso, projeto aquilo. O
filho hoje é uma conta matemática: de quanto você vai gastar, de quanto tempo
ele vai te tomar, de quantas viagens ele vai te privar, de quantos livros ele
vai te afastar e etc. Vejam bem que o argumento é sutil e, se não entendê-lo,
corre-se o risco de interpretá-lo de uma forma enviesada e perigosa. Não estou
tomando partido, quero simplesmente mostrar uma mudança.
As famílias eram numerosas antigamente por alguns
fatores. Dentre eles podemos destacar os enlaces entre famílias que geravam
herdeiros, reis, rainhas. A dinastia, fundamental para se entender capítulos e
milênios da história, é um bom exemplo. Não é a perpetuação da espécie em si,
mas a perpetuação de um modelo de família, de ideias, de formas de se
comportar, de narrativa, de história sem fim. Projeto, meus caros, tem dia e
hora pra acabar. Eles criam vínculos temporários e não oferecem aos que vivem deles
uma narrativa de vida, um sentimento de retiliniedade da sua história, estão
sempre recomeçando do zero, do nada, e o que fizeram antes é descartável, pois
agora o projeto é outro. Um filho tratado como projeto, e não me canso de
apontar a sutileza da argumentação para que não me acusem de estar detonando os
que fizeram esta opção, não é um filho em si, na acepção da sua concepção, pois
dele nasce justamente o contrário: elos duradouros, história contínua e
necessidade de se manter no curso de uma trajetória, com responsabilidades que
não podem ser negadas ao seu bel prazer tipo "porra, me deu na telha: partiu pra...". (caraca, esse parágrafo foi escrito em
apneia, tava quase morrendo antes do ponto final rsrs).
O filho era, novamente como nos mostra a história,
a perpetuação da profissão, da família de padeiros, de médicos, de professores,
enfim, um elo que tornava indissociável o nome do labor. Os filhos vinham como
ajudantes, pra colaborar na oficina, pra arrumar mais algum. É claro que ainda
hoje temos este tipo de demanda e que ainda temos casos concretos com estes
exemplos. A diferença, ali escondida no detalhe, é que antes, lá atrás, a
prosperidade, a felicidade, o sucesso, o êxtase só fazia sentido na
coletividade, sendo a família seu eixo central, sua base. O “é impossível ser
feliz sozinho” de Vinícius lá nem se discutia, porque só discutimos aquilo que
duvidamos. Não que não fosse, mas seu sentido só ganhava a amplitude esperada
se fosse uma conquista em conjunto, de todos. Hoje, meus amigos, na era da
individualidade, do meu projeto, das minhas prioridades e do meu rabo e
umbigo, é claro que isso se altera de forma dramática.
Por mais que queiram e apontem os motivos, um
filho nunca, eu disse nunca será um projeto, está muito longe de ser. E não
porque tenha algo contra os projetos, nada disso, mas apenas porque creio no fato
de que nós escolhemos os projetos enquanto que os filhos que nos escolhem pra viver. Dentre
tantas possibilidades, com tantos lares e lugares pra eles pousarem, escolhem
justamente o seu, sua casa, seu país, seu planeta. O projeto, quando acaba,
você busca logo outro. O filho, quando acaba, acabamos junto. Sabemos o dia que
vamos nos separar do projeto, tá no contrato, mas nunca saberemos quando nossos
filhos, mesmo depois de partirem, vão voltar novamente e precisar do nosso
abrigo.
Pra terminar, de verdade, só uma similaridade:
precisamos de ambos pra viver, ao menos os que nesta opção se enquadram.