segunda-feira, 14 de abril de 2014

A alma do negócio




Na semana passada tivemos um prenúncio de incêndio no fantástico mundo de Bob. Maurício de Sousa teria defendido, na sua página do instagram, a publicidade voltada para o público infantil. Não vou entrar no mérito acerca da sua intenção ou não pois o que me importa é a publicidade em si, o que ela representa e em que medida se torna eficaz ou não.
Não sei se vocês sabem, mas a televisão foi criada com a intenção de ser um Polishop, de só ter propaganda. Um veículo pra atingir milhões de pessoas dentro de suas casas, um elo perfeito entre o capitalismo selvagem e seu bolso. Ou vocês nunca pararam pra pensar que quem sustenta todas as emissoras são os anunciantes dos intervalos? Mas como não são bobos, sabem que propaganda direto ou demorada iria nos afastar dessa estratégia e então colocaram entre elas programas que nos prendem, nos envolvem, com o único intuito de que permaneçamos sentados na sua frente na hora que vale de verdade: a do plim plim.
E como sabemos, minhas queridas, tem reclame pra todo mundo. Tem aquele voltado para as diferentes classes, para os diferentes vícios, para os diferentes gostos, para as diferentes idades, opções sexuais, desejos etc etc etc. Sempre existirá um profissional pensando no seu perfil consumidor, na sua capacidade de gastar, se endividar, honrar seus compromissos, dar calotes e abrir crediários intermináveis. Os 30 segundos são resultados de meses de pesquisas com grupos focais, com especialistas, sociólogos, psicólogos e afins, todos imbuídos da mesma missão: fazer você comprar.
E não se enganem. A maioria das propagandas infantis são feitas para atingir os pais. “Seu filho não pode deixar de ter isso, olha o que ele está perdendo, todos os amiguinhos deles vão querer (e ter), olha como ela vai ficar linda de princesa e ele de Super- herói”. Ela vê aquela roupinha linda e quer pra filha. Ele vê aquele carrinho maneiro e quer pro filho.
A não ser algum caso extraordinário que vocês me contem, me parece que, por mais eficaz que seja a propaganda, as crianças ainda não possuem cartão de crédito/débito para fazer com que elas completem seu circuito financeiro. E é isso que acho que não está claro para a maioria: nós somos o alvo, os que se rendem ao choro, à culpa, às emoções e nos casos mais extremos, às dívidas. É como aquele safado na praia que te vê com duas crianças e para na sua frente gritando “quem quer picolé, olha o picolé pra criançada, de chocolate...” rsrs
Elas vão querer, mas um minuto atrás não queriam, elas não precisam. Ele quer vender e sabe que a estratégia é fazer com que as crianças te convençam, não ele. Ele não quer que você compre um Chicabon pra você, longe disso. Quer que você se renda ao canto do capital.
São milhares os adultos que gastam e gastam e se enrolam todo com dívidas porque compraram de acordo com a publicidade. Parecem criança? A avó de minha Giullinda tem coisas do polishop guardadas no armário que ela nunca usou. Tem tanto bagulho que quando ela abre digo que é uma porta pra Nárnia rsrsr. Outro dia ela nos deu uma panela enrolada num jornal. Quando tirei e dei uma olhada tava noticiando o Golpe Militar rsrsrsrs.
 E quem não tem algo em casa que pouco usou, quase nunca, que comprou e não se afeiçoou mais tarde? Vamos acabar com o Polishop? Cortaremos as propagandas de refrigerantes? De tabletes? De celulares que também influenciam as crianças? Vamos pedir o fim dos desenhos animados, que depois viram bichinhos e álbuns de figurinha e roupas e tudo quanto é quinquilharia possível? Vamos pedir o fim do futebol, que fazem nossos meninos quererem chuteiras tais e bolas que tais? Vamos acabar com os shows de música que querem vender CDs e estilos? Vamos acabar com a TV????
Muitos de nós reclamam dos comerciais e trocam de celular como quem troca de cueca. De sapatos idem. Roupas que são usadas uma vez, quando muito. Um consumo desenfreado e sem sentido que causa muito mais influência do que qualquer comercial. O “seu pedido é uma ordem” que muitos oferecem gera crianças insaciáveis, já que o que eles querem é o limite, não do seu cartão de crédito, mas do não, do “não tenho dinheiro” e do “você não precisa disso”.
Sophia, lá em casa, quando passa uma propaganda ela sai falando: “tudo caro, é tudo mentira”. Thomaz manda um “eu quero, pai” e eu retruco “eu também, filho, compra, compra pra mim” rsrs. Na Ri happy - desespero total - canso de falar: "puxa filho, não tenho dinheiro pra comprar. Deixa eu trabalhar mais pra juntar um trocadinho e depois conversamos". É claro que não terá um depois porque o estímulo do momento sucumbe à necessidade de fato. E pra isso, em casos extremos, existem os avós rsrsrsrs.
Pode ser a propaganda que for, com o melhor dos marqueteiros mas nada, nada supera uma conversa com uma boa orientação. Sobre consumo, sobre o planeta, sobre a necessidade, sobre o valor, sobre as prioridades, sobre como é difícil ganhar o tutu para comprar aquilo. É claro que vez por outra podemos ceder, mas isso não pode, em minha opinião, ser a regra.
É ilusão achar que o fim da publicidade infantil, mesmo que efetivado, seja a solução para o consumo. As crianças não são marionetes na mão de publicitários malévolos. Entre a TV e qualquer outro tipo de propaganda e informação existe você e sua explicação, assim como quando se passa por um mendigo, que se vê um jornal com as tragédias cotidianas e demais acontecimentos. E desde cedo eles entenderão que, apesar de não ser o mundo ideal, existem escolhas que podem ser feitas para torná-lo mais aprazível. Inclusive a do canal.
Obs: seu filho anda dormindo pouco? Veja isso.

9 comentários:

  1. Eu discordo cordialmente do seu texto. Entendo seu ponto de vista e acredito nele, porque aqui em casa também é assim: a palavra final é a minha. Sou eu quem decide se vai comprar ou não. E justamente porque sou eu quem decide sei o quanto é difícil tomar essa decisão! Você acha que a propaganda não é direcionada aos pequenos, mas sim aos pais. Considero verdadeiro em parte. Os pais são os detentores do dinheiro, algo tem que convencê-los a comprar também. Mas o que é sabido é que hoje as crianças são responsáveis por boa parcela da compra familiar. Mesmo produtos para adultos (como carros, televisores, cartelas de investimento bancário) usam e abusam das crianças nos comerciais. Se você tem mais de 30 anos, e acho que tem, você cresceu na década de 80, bem perto de inúmeros comerciais. Sabe quem são os adultos mais consumistas? Somos nós, aquelas crianças inundadas por comerciais e propagandas para que a gente comprasse tudo. Nossos pais não compravam tudo, e uma necessidade de instalou em nós. Hoje, adultos, e com a facilidade de compra atual, gastamos tudo que podemos e não podemos em objetos que nunca usaremos. Veja a sua mãe... Então a propaganda voltada ao público infantil não visa apenas a compra imediata, mas a geração da necessidade - vc mesmo disse, antes de ver o picolé na praia as crianças nem se lembraram dele - que poderá ser atendida por pais mais permissivos e consumistas, ou ficará latente até poder ser satisfeita. Não se trata apenas do ato de comprar algo que se queira, ou mesmo comprar algo sem necessidade. Todos nós já fizemos isso. E justamente já fizemos porque fomos e somos inundados diariamente por propagandas que agem não apenas no nosso ato de compra, mas na maneira como nos percebemos e somos percebidos socialmente. Os pais sempre terão o poder da escolha, mas como estudante de marketing que sou, sei que apenas eles não conseguirão vencer essa luta contra o consumismo. Hje nossos filhos são crianças, decidimos por eles. No futuro eles decidirão, e é ingenuidade pensar que decidirão legitimamente, sem interferência de toda a publicidade que receberam as longo da infância. É para que eles possam escolher com mais consciência de suas reais necessidades e vontades que existe a luta contra a publicidade infantil. Abraços!

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    1. Fala, Nine! Vou passar a usar esse "discordo cordialmente" também rsrsrs Mas quando discordar de outra forma apareça, será bem vinda do mesmo jeito, a intenção aqui é o debate. Tem até amigo meu me chamando de liberal rsrsrs. Vamos lá.
      Entendi sua posição. Concordo que a propaganda seja um elemento persuasivo na hora de gastar e de criar necessidades desnecessárias, que ela possui uma influência determinante em alguns casos. Mas discordo cordialmente (não ia perder a oportunidade rs) do seu argumento porque ele coloca somente ela, a propaganda, como vilã quando, na verdade, existe todo um sistema capitalista envolvido, nas mais diversas esferas sociais, em que ela é apenas uma das resultantes possíveis. Pensar dessa forma seria o mesmo que dizer: para acabar com o capitalismo basta banir as propagandas, e sabemos que isso está muito longe de ser verdade. O fetiche da mercadoria, como já explicava o velho Marx, imputa nos objetos sentimentos, vontades, nuances e desejos que são idealizados por um sistema em voga, onde o impulso (quero agora!) é valorizado em detrimento do desejo (vou me planejar pra comprar). Posso te dizer muitas músicas de campanhas publicitárias antigas, que ficaram nas nossas cabeças, mas nem por isso comprei uma piscina Toni, a alegria da garotada. Não somos robôs pré programados por mensagens subliminares que comandam nosso cérebro de forma soturna. Temos a capacidade sim de processar qualquer informação e compreender seus objetivos, seu "esquema", seu canto da sereia e suas formas de manipulação. Não acreditar nisso seria negar qualquer forma de análise crítica da realidade. O que defendo é que se converse com as crianças, junto com a regulamentação, não sou contra, para que a "matrix" seja reconhecida e combatida. E isso vale para os adultos também.

      Abraços !

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    2. Bem, então acho que no final das contas, concordamos. Tb sei que a propaganda não é o vilão, mas é um dos vilões que merecem ser combatidos. O consumismo é algo muito mais complexo e que envolve diversas nuances da vida, mas eu acredito que a propaganda é uma das principais ferramentas para isso, e por isso defendo que a propaganda abusiva e a infantil deve ser combatida. Só um ponto da sua resposta não ficou clara para mim: vc diz que somos capazes de discernir entre o canto da sereia e a realidade. Eu concordo. Mas o Estado não deve legislar apenas para pessoas com possuem discernimento (ou acham que possuem, rsrs), ele não abraça apenas comunidades dotadas de raciocínio e que conseguem evitar o canto da sereia. Vc sabe disso. Quantas são as famílias que possuem todo esse discernimento? Eu tb defendo que se converse com as crianças. E defendo mais, que essa conversa com as crianças não seja uma responsabilidade única dos pais, mas da sociedade como um todo. Não acredito que os pais sejam os únicos responsáveis por educar o consumo dos filhos. Se assim fosse, a luta seria fácil, não achas? Se a propaganda consegue fazer com que os adultos se sintam péssimos por não ter esse ou aquele apetrecho, ou essa ou aquela marca (e parte-se da lógica que nós os adultos temos discernimento), havendo inclusive muitos casos patológicos na relação de consumo, imagina o estrago que essa propaganda fez, faz e fará às crianças! Nem todas elas possuem pais presentes e raciocinantes, mas a propaganda chega a todas, sem distinção. Abraços!

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    3. É vero. Não sou contra a regulamentação, acho que ela deve ser efetivada, mas somente isso não resolverá os problema. Devemos ir além, uma ação mais integrada, inclusive com propagandas sobre isso para as crianças rsrs Ah, se os pais forem consumistas aí a TV é o de menos rsrsrs.

      Abraço!

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  2. Uaaaaauuu!!!
    Cappelli, tu, apesar de ser Tricolor, é muito inteligente, menino!!
    Gostei demais do texto!!
    Um beijo enooorme em vc e na galerinha!
    minhavidadequilibrista.blogspot.com

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  3. Lindo debate o de vcs e acho que no final vcs concordam um com o outro!! Rsrsrsrsrsrsrsrsrs
    Achei bacana que a Nine tocou num ponto fundamental: o esclarecimento não é algo que existe para todas as familias brasileiras. Aliás, mesmo os que tiveram oportunidade de frequentar boas escolas, não possuem visão crítica. Daí eu entender que a publicidade voltada para o público infantil deveria não existir. Muitas pessoas ao meu redor não tem essa visão sobre o malefício da publicidade e o consequente consumo exacerbado. Fico chocada quantas amigas minhas acham normal a publicidade e a compra exagerada. E claro que essas crianças crescerão achando que podem ter tudo JÁ!
    Eu uso o seu mesmo discurso com meu filho: mamãe está sem dinheiro hoje e precisa trabalhar mais um bocado para comprar. E vou levando. Mas quero dizer que quem tem menina sofre mais com o excesso de publicidade!! Até eu fico com vontade de ter todas aquelas bonecas lindas e cor de rosa que passam o dia mostrando na TV! Afffff!!! Rsrsrsrsrsrsrsrs

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    1. Myriam,

      Quantas vezes já me peguei pensando em comprar coisas que não preciso? Você vai meio que hipnotizado, zumbizando e quando vê: "meus deus, o que estou fazendo?" rsrsrsrsrs
      Que a força esteja conosco!

      "É preciso estar atento e forte"!!!

      abs!

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