quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Os çábios especialistas

Fui no Super Duper e na volta passei pelo Pequeno guia prático de uma mãe sem prática. Ambos os textos muito bons, sem respostas, como gosto, mas com muitas possibilidades de reflexões. A Anne quer saber quem se responsabiliza pelas decisões fundamentais que tomamos em determinadas circunstâncias quando o que está em jogo são nossos filhos. Já a Mariana, quer saber se é menos mãe ou mais mãe, se os filhos são o centro ou não, se a corrente que ela seguia semana passada ainda vale ou foi ultrapassada. E foi pensando sobre o que elas disseram que passei a pensar numa contribuição para ampliar o debate. Se olharmos bem, as duas abordam em seus textos um tema que nos aflige e assola de forma cada vez mais intensa e que domina hoje qualquer que seja o assunto abordado: os especialistas.

Não é nenhuma novidade que vivemos em um mundo cada vez mais especializado. Na faculdade eu ficava maluco vendo os temas de monografia e mestrado que ficavam colados na parede para quem quisesse assistir sua defesa "O significado da pedra preciosa cravada na espada do Raimundo no séc IV", "A importância do churrasquinho de gato como forma de socialização nas feiras livres noturnas" e por aí vai. Ao mesmo tempo que falava "ah, maluco, tá de sacanagem" me criticava ponderando "cada um tem a liberdade de estudar o que quiser". Enfim, esta é uma seara muito discutida pois cada vez mais temos pessoas que sabem muito de determinado assunto e absolutamente nada de todos os demais. E aí aquele cara, especialista, não consegue enxergar nada além de seu jaleco branco, não consegue entender que uma decisão nunca pode ser tomada levando em conta apenas um determinado aspecto, ela deve sempre ter como diretriz o contexto em que está inserida. Caso contrário fica algo do tipo:

- Minha senhora, seu filho precisa tomar sol durante 20 minutos por dia.
- Mas doutor, eu moro na Sibéria!
- Tá bom, 15 minutos resolvem.
- O Senhor sabe onde fica a Sibéria?
- Certo, certo, não sei não. Mas sei perfeitamente que todas as 589 pesquisas sobre o assunto, sendo que destas 518 publicadas, apontam que o sol ajuda a resolver o problema do seu filho.
- E não existe alternativa então?
- Isso também não sei. Mas sei que a CVC tá com uma promoção para Cancún imperdível (tira da gaveta um folder e entrega). Se a senhora não colocar este menino pra fazer a fotossíntese eu não me responsabilizo! (alô? Ó, acho que vendi mais um pacote!)

Aí ela volta deprê pra casa, conta a situação, e quando todo mundo começa a catar moeda pelos cantos pra fechar o pacote e salvar a vida do seu filho, encontram um diário de receitas da bisa mandando, nesta situações, raspar gelo do dente de uma foca sem bigode e dar pra criança na hora de dormir. Resolve arriscar. A criança amanhece boa. Mas já que o dinheiro pra Cancún tá na mão... rsrsrsrsr

Existe um cara que estudou sobre isso e criou um termo para explicar essa escalada da especialização no mundo moderno. Anthony Giddens, Sociólogo da terceira via, estabeleceu o conceito de "Sistemas Peritos", que nada mais é que todo corpo de especialistas existentes que faz com que tudo funcione sem que você entre em parafuso pensando nisso. Trocando em miúdos, é mais ou menos assim: tu já parou pra pensar quantas peças são necessárias para que um avião seja montado? Já parou pra pensar quantas pessoas estão envolvidas na sua construção? Que todas elas não podem ter nenhum erro e que tudo deve estar encaixado de forma milimétrica pra que ele não caia? Claro que não, senão você nunca entraria em um avião ou então seria tão paranóico, mas tão paranóico, que se tornaria insuportável. 

Convivemos com estes sistemas de forma tão orgânica, tão natural, que questionar seu funcionamento é praticamente ganhar um atestado de 22 e vestir branco pro resto da vida. Imagina o cara parado na entrada do aeroporto gritando "vocês estão malucos, eu conheço o mecânico da Boeing que trabalhou na fuselagem deste avião e ele é alcoólotra!" 

Como podemos questionar um cara que estudou um assunto durante 20 anos? E pior, como ousar afrontar alguém que dedicou sua vida a resolver estes casos? É óbvio que em determinados assuntos isso não cabe, como um câncer ou determinadas doenças mais severas, mas no que nos diz respeito, sim, podemos na maioria das vezes fazer escolhas, ainda que com a faca da especialidade na garganta. É claro que é difícil, mais claro ainda que os julgamentos serão os piores e, por fim, trágico se você estiver errado. Mas lembre-se que, caso você esteja certo, evitaria algo pior. "Porra Cappelli, tu é vaselina, hein?" Claro que não, simplesmente creio que conviver com esta contradição faz parte de estar vivo e que toda decisão, em qualquer circunstância da sua vida, trará uma consequência, boa ou ruim. O grande perigo é justamente não tomar nenhuma, porque ao fazer isso você ficará ao vento, ao mar, vagando pelas ondas do momento e das teorias que surgem mais rápidas que iPhones.

Escolha um caminho e siga, ajuste seu curso caso perceba que seguiu a placa errada, mas não abandone sua bússola de estimação. Seguir os especialistas quando o assunto são nossos filhos é viver engarrafado, pois a linha teórica de hoje é a superada de amanhã. É quase como a nova dieta de emagrecimento. A cada 10 minutos surge uma, mais mirabolante, mais eficaz, embasada por estudos recentes. Especialistas querem vender seu peixe, seu contato com o laboratório farmacêutico, com o cara da drogaria, com o plano de saúde, com a clínica de exame. Um especialista em especialistas levaria tudo isso em conta, pois não se pode isolar sua atuação do contexto em que ele se insere. 

Qual é a hora de dar um telefone? De falar sobre sexo? De explicar as mazelas do mundo? De falar sobre a morte? De falar sobre drogas? Não sei vocês, mas eu não faço a míííííííííííííínima ideia. O que não quer dizer que não existam por aí vááááááárias tabelas relacionando cada tema desses com um faixa etária. Isso levando em conta a própria briga entre os especialistas do mesmo assunto.

Não existe neutralidade na humanidade. Neutro, meus caros, só sabão e olhe lá. Toda ação parte de um propósito e, neste caso de que tratamos, me parece que cada vez mais que ele responde pelo nome de dinheiro, money, bufunfa. E pra que eles possam vender sua especialidade, é fundamental que semeiem em você a dúvida, que susurrem no seu ouvido que você não sabe nada, que suas ações podem prejudicar seus filhos, que você precisa de ajuda e que só eles podem oferecê-la com qualidade. Trombeteiam a insegurança pra que, acuados, optemos pela opinião deles, mesmo que lá no fundo saibamos que também oferecem riscos. E, numa atitude muito louca, desvairada, trocamos os riscos de nossas ações pelo risco das ações de outros, que não sentem por nossos rebentos  a milésima parte do nosso amor, que nunca os viram na vida e que se esforçam para parecer conhecê-lo já na primeira consulta: "Ah, isso é perebite aguda" sem ao mesmos levantar da cadeira.

Na dúvida, que os erros e acertos, que acontecerão inevitavelmente, sejam ao menos os meus, fruto das minhas escolhas. Acho que isso, Anne, é um primeiro passo para o empodaramento.

11 comentários:

  1. É isso aí, certo ou errado, que sejam minhas escolhas, frutos da minha consciência (ou falta de). Porque lá na frente a culpa é da mãe mesmo :)

    Agora falando mais sério, concordo quando vc diz que não existe neutralidade, não existe o viva e deixe viver. Não...todos seguimos um caminho que nos fala ao raciocínio, ao coração, à alma, ao bolso. Depende.

    Textos como os da Lia, da Anne, da Mari e até mesmo o seu nos fazem refletir e é isso que importa no final.

    Nine

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  2. Obrigado pelo "até mesmo o seu" kkkkkkkkkk

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  3. E por isso eu leio muito, leio tudo, leio sempre. Leio para absorver o que serve para mim e descartar todo o restante. Não há uma linha que eu siga, eu não tenho nome para a minha "maternagem", não sou isso, nem aquilo. Eu sou a mãe da Laura, de quase dois anos. Prazer.

    Li Laura Gutman e Elizabeth Pantley, gostei das duas, quando aplicadas em momentos diferentes.

    Gonzales e Cicrano da Silva, ambos bons, quando aplicados dentro de uma rotina que eu consigo, que eu consiga cumprir.

    Fiz o Nana Nenê quando a minha filha tinha 3 meses, foi sucesso de público, ela dormia maraviLOsamente bem de 3 meses em diante (até chegar o dia em que eu não consegui mais deixá-la chorando para re-educar o sono, e, logo, percebi que estava funcionando na base do treinamento frequente, para relembrar a matéria, sabe?).

    Quanto mais lermos e entendermos alguns processos, melhor. De qualquer forma, ninguém nunca estudou a minha filha, as reações dela, a sua personalidade, seus motivadores.... então, não adianta engolir um livro ou uma teoria, pq o livro da Laura sou eu quem escrevo.

    Grande abraço!

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  4. Quando falei em nana nenê lá em casa quase fui excomungado, ameaçaram até me interditar por insanidade.

    Depois tudo ficou bem, entrou na rotina: eles acordam certinho, toda madrugada, chorando e gritando mamãããããããe

    E o papai aqui continua dormindo, nanando igual um nenê...

    Toda escolha tem consequências, né não?

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  5. Sabe aquele programa, Saia Justa? No geral, é um bando de mulher discutindo mulherzices. Eu so assisto quando o Dan Stulbah tá lá, porque ele observa, observa, observa, e quando abre a boca, ele acaba, sutilmente, com a discussão vazia delas.
    capelli, voce é o Dan Stulbach desse papo de mais mae e menos mae. Obrigada.

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  6. Ops...desculpe, acho que pareceu pejorativo da maneira como escrevi, tire o "até mesmo o seu" por "o seu também", rsrsrs. Escrevemos na pressa e sai umas atrocidades de vez em quando... mas não foi minha intenção. Abraços, Nine

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    1. Sem problemas, sei que não foi sua intenção, mas eu não consigo deixar passar, é mais forte que eu rsrsrsrsrsr

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  7. Levei minha filha ao pediatra para uma consulta de rotina, segue diálogo;

    Eu: - Doutor trouxe a Maria Luisa para uma consulta de rotina, porque está tudo bem com ela.

    O médico coloca ela na cama para olhar e diz:
    -Precisa tirar a chupeta desta menina, olha os dentes dela, desse jeito vai ter que usar aparelho quando crescer!

    Eu indignada com o que ele falou, já que ele não é dentista (mas a filha dele é), falo:

    -Bem doutor como sou eu quem vai pagar o aparelho dela, eu decido quando tirar a chupeta.

    Depois disso, ele analisou a minha filha e realmente disse que aparentemente está tudo ok com ela e que posso retornar mês que vem.

    Tomar decisões não é fácil, eu mesma já sei que estando minha filha com 3 anos está na hora de trocar a chupeta com o Papai Noel, mas e daí se ela está com os dentinhos para frente. Posse ter levado de grossa, mas não deixei barato, afinal de contas, eu decido! Mesmo que seja uma porcaria de decisão, mas sou eu quem decide.

    Abraços

    Luciane

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  8. Capelli todas essas teorias de ser ou não ser eis a questão caem por terra quando nos tornamos efetivamente pais e mães.
    Costumo dizer que quem pariu a Laura fui eu, então quem sabe dela sou eu. Esse negócio de dizer ao pediatra tudo o que se faz é o ó. Eu digo o que sinto que pode prejudicar, mas idiotices... Ele que vá cuidar dos filhos dele.
    Eu era direta ao dizer que minha filha acostumaria a dormir em seu quarto desde que nascesse. Meu marido queria montar o berço dela no nosso quarto e eu não deixei. E daí? E daí que quando ela nasceu eu não consegui colocá-la em seu quarto e ela só foi para lá com 2 meses e hoje aos 21 meses tem (muitas) noites que dorme comigo. Adoro sentir seu calor, seu cheiro (mesmo se for de cocô..rs). Não existe especialista melhor em filho que os pais.
    Como disse a Dani, quem escreve o livro da Laura sou eu.

    Bjosss
    Carol

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