quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Dr. Hanz Inza - Ensaio sobre o cativeiro

Dr Hanz Inza, 

"Sou casada, tenho 44 anos e dois filhos maravilhosos. Me dou muito bem com meu marido e acredito que tenho uma vida que muitos gostariam de ter, com harmonia e tempo para me dedicar a eles. O problema é que de uns tempos pra cá venho me sentindo presa, amarrada, acorrentada a convenções que me sufocam, me tirando muitas vezes o humor. O que será que está acontecendo comigo? Será que virei uma mulher anacrônica? De onde vem esta minha necessidade de libertação? Será que encontrarei meu lugar neste quebra-cabeça chamado mundo moderno? 

Vannessa Rammirez - Itaquaquecetuba - SP

Um dia Elvira acordou e refletiu sobre sua vida. Despertou na hora que o trabalho exigia. Tomou café com pão como todo mundo. Almoçou na hora permitida pela CLT. Foi embora na hora permitida pelo patrão. Chegou do trabalho e tomou o segundo banho.  Recebeu um SMS do trabalho mesmo fora do horário e teve que responder. Viu uma conta que vencia no dia e que ela tinha esquecido de pagar. Não tinha comida e ela pediu um japonês. Teve uma certeza: nada do que fizera respeitava seus anseios e suas vontades mais instintivas. Olhou pra grade da janela da sala e sentiu que elas avançavam em direção à sua alma, colocando seu ser em cativeiro. Como ela faria pra se sentir livre se todo ato que praticava parecia já pré-determinado por convenções da civilização? Existiria escapatória? Seria possível vislumbrar ainda um reduto, um lugarejo que seja onde o Laissez-faire, Laissez-Passer se efetivasse a cada segundo?

Quando nascemos assinamos nosso primeiro contrato, com as lágrimas do primeiro choro: o contrato social. Nas linhas miúdas estão os termos que aceitamos mesmo sem ler. Lá está escrito o que você pode ou não fazer de acordo com os costumes e cultura não qual você se encontra. E é justamente este compartilhamento de regras aceitas por todos que permite a existência da civilização como nós a conhecemos. Este é o preço que pagamos para que nossos instintos mais selvagens não se sobreponham ao que nos torna humanos e membros da humanidade. Eles, estes instintos acuados em nossa alma, são egoístas e individualistas, agem de forma mecânica, sem pensar nas consequências do ato para outrem. E isso nos difere frontalmente, de forma inequívoca, dos animais. Eles comem quando tem fome, nem que para isso tenham que estraçalhar um outro bichano menor que está ceiando. Eles mijam por aí quando estão apertados, fazem cocô em qualquer lugar, enfiam a porrada e matam quando seu território é ameaçado, matam e abandonam suas crias quando acham que devem,  e isso quando cuidam. Ah, trepam onde bem enteder. E o principal: não planejam seu futuro, já que sua existência é marcada pelo incessante saciar de suas necessidades instintivas. Elvira, não somos bichos.

Desfrutamos daquilo que eles nunca terão: o livre arbítrio. Temos escolhas e uma delas é a que te aflige: vivo este mundo de ilusão ou crio um próprio só pra mim? Esta grade, Elvira, que você vê com cada vez mais nitidez, se fortalece na medida em que você pensa nela. Você pode correr para os seus pais quando tem medo. Você pode comer a hora que quiser. Você pode ter seu filho de forma natural ou não, você pode dar mamadeira ou não, chupeta ou não, peito ou não, complemento ou não, você pode isso e tudo o que quiser. Basta dar uma banana pros burocratas que te fizeram assinar aquele maldito contrato e entrar no PROCON se dizendo lesada no seu direito de consumidora da vida que você escolheu. Alguns fizeram isso e foram pro manicômio. Outros viraram hippies, outros foram estudar física e alguns foram pra fogueira. Mas os maiores, os gênios da humanidade, os que estavam além do seu tempo, sempre souberam que estas grades só seguravam os que não deixavam sua imaginação fluir para além do horizonte da normalidade.

Termino com uma frase de meu primo, Nietzsche, que afirmava: "Nunca é alto o preço a se pagar por pertencer a si mesmo"

Pague este preço, Elvira, e estas grades que te incomodam se tornarão pontes.

E seus textos serão mais felizes e cheios de graça.

Dr. Hanz Inza é Parapsicólogo social e escreve sempre que quer provocar alguém.

E-mail para a coluna: naomevenhacomchurrumelas@hotdog.com















2 comentários:

  1. Colocando em rede os posts publicados sobre esse tema so me faz pensar o quanto as pessoas criam cativeiros para si mesmas e depois se convencem que foi a sociedade que as trancou la dentro... vixe!
    Free willy minha gente, free willy!

    ResponderExcluir