sábado, 12 de fevereiro de 2011

Um casal, dois casais

Meu amigo, o início da história é o de sempre, parece que estamos reclamando de alguém que marcou algo conosco e está dando um bolo: "já não era pra ter vindo"? "Não tá um pouco atrasada"? Pois é, parceiro, babou, a casa caiu. Geralmente essas são as últimas palavras de um casal a sós. É claro que você pode ainda tentar se acalmar e falar consigo mesmo" "isso já aconteceu várias vezes", "ela não regula bem" (com trocadilho se couber) ou então, como foi meu caso, reconfortar-se com um preguiçoso e tranquilo "besteira, ela toma pílula", se ajeitando pra ver o futebol na TV.

Assustado? É isso mesmo, ela engravidou  tomando anticoncepcionais, uma injeção mensal, porque pra uma pessoa que coloca o copo no filtro pra beber água e esquece é muito arriscoso apostar que ela vai lembrar de tomar um comprimido por dia. Pois é, nem cercando igual jogo do bicho escapei. Aliás, aqui vai uma dica, amigo: escolha sempre a mesma farmácia já que assim você diminui a quantidade de farmacêuticos que vão injetar algo na sagrada zona da região glútea de sua mulher. Se tiver peito e jeito, o ideal é você mesmo aplicar e tá tudo resolvido. Por fim, não se esqueça: é bom acompanhá-la, por via das dúvidas. Se não der pra ir, espie sem dar na vista se o local foi devidamente picado. Sabe como é: fogo morro acima, água morro abaixo e mulher quando quer engravidar não tem como evitar.

Voltando. Aí vocês devem já devem estar pensando do mesmo jeito que a maioria: porque não processou o fabricante do remédio? Entramos então em uma questão filosófica-religiosa. Ao decidir ter as crianças, presume-se que você vê com bons olhos sua chegada. Logo, processar o fabricante seria, indubitavelmente, culpá-lo por algo que trouxe algum tipo de prejuízo para você, o que gera uma contradição insuperável. Além do mais, ganhando a causa, como explicaríamos pras crianças que o dinheiro que os ajuda a sobreviver é aquele que nunca deveria tê-los deixado nascer? Percebem a complexidade da trama? rsrsrs. E por fim, meu caro, quem de nós tem coragem em falar pra uma mulher, a sua mulher, que já está na casa dos 30 ou mais - a idade paradigmática onde toca o cuco do relógio biológico a da perpetuação da espécie - que não é hora de ter filhos? Fala tu?

Mas da suspeita de gravidez até a sua concretização muito acontece. A primeira coisa a se fazer é o tradicional exame de sangue. Até então ainda me mantinha tranquilo, com minha fé na ciência inabalada. Feito o exame era chegada a hora da verdade: rasgar aquele envelope e confirmar que a ciência ainda é confiável e que, graças a Einstein, não deixei de comer nada que queria ou mesmo perdi um milisegundo de sono pensando nisso. Envelope nas mãos. Procuramos juntos as taxas que indicassem alguma coisa. Achamos então a que é principal (aqui vou dar valores proporcionais, pois não lembro os exatos) 4.200. Tranquilo, corro os olhos no papel procurando as taxas de referência e leio a seguinte nota: ABAIXO DE 50 A GRAVIDEZ É DESCARTADA!!!

Loucura total. Não querendo acreditar no que já estava mais do que claro, repetimos o exame, mais por mim do que por ela, que já estava soltando rojões e louca pra acariciar a barriga crescendo a cada mês. Esperávamos o resultado pela internet, atualizávamos a cada 3 segundos durante umas 4 horas. Numa dessas tava lá a nova taxa: 8.400!!! Olhei pra ela e falei, desse mesmo jeito: tu não tá grávida, tá muito grávida! No intervalo de 1 semana tinha dobrado! Já era um prenúncio. A sensação, meu amigo, só passando por ela. Tem um grande amigo meu que quando perguntado se estava feliz porque a mulher estava grávida respondeu: "cara, não tô não. Mas vou ficar". Figuraça. Minha reação? A mesma que tive na final da Libertadores quando o Washington chutou em cima do goleiro o penalti e perdemos o título em pleno maracanã, mesmo ganhando de 3x1 no tempo normal: o que é que eu vou fazer agora da minha vida? Da mesma forma que fiquei atônito na arquibancada, fiquei no sofá. Ela já pensava nas roupinhas.

Até aí, meu caro, tudo bem, bola pra frente que mais Libertadores virão, tal como hoje. Mas aí veio o dia da ultrasonografia. Ela foi sozinha. Toca o telefone e atendo. Ela, assim como eu, não rodeia e nem me amacia antes: "Roger, são dois! São dois!" Depois fiquei sabendo que a médica, ao constatar os gêmeos, tinha dito pra ela: "chega em casa com calma, prepara ele, conversa, dá a notícia pessoalmente, avisa que o gato vai subir no telhado...", em outras palavras, "prepare ele pra esta bomba".

Sábia médica, mas que não conhece a impulsividade de minha mulher, filha de Iansã, que em Iorubá significa mãe de nove. Vasectomia em pauta, não se brinca com os deuses. Com o telefone na mão, olhando pro espelho pra ver se era eu mesmo, puxando os cabelos pra cima, eu ria descontroladamente, como um psicopata ensandecido. Não sabia o que pensar nem o que falar, só tinha a certeza que me jogar da varanda não resolveria meu problema, porque do segundo andar eu ia, no máximo, conseguir quebrar alguns ossos, isso com sorte. No intervalo das gargalhadas perdidas, um silêncio que a preocupava do outro lado: "Você tá aí? Roger?" Quase respondo: "Roger? Que Roger? meu nome é Almeida, sua maluca!" E aí desligaria sossegado, apelando para que a realidade me desse uma chance.

Agora era contar pra todos e fazer as contas. Tudo ao quadrado.

4 comentários:

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  2. Muito bom esse: roger, roger, são dois! eu fiquei muda quando soube tb... Temos estranhas reações nessas horas mesmo, sem saber se damos parabéns ou nos recuperamos do susto, ou se vcs querem mesmo na hora ouvir isso, confuso até pros amigos... Adorei a notícia de madrinha o quadrado, hahaha... Continue escrevendo, tá ótimo!!!

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  3. Muito engraçado, ela pensando na roupinhas e vc pensando no que fazer da sua vida. Perfeito mesmo hhehehe. Tbm sou filha de Yansã mas dizem que sou metade metade, Yansã com Oxum. Já viu a coisa né? O pior que nao posso nem mesmo fazer ligadura pela idade, e meu marido nem vasectomia por que tem 33 anos.

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  4. Jess rsrsrs, se cuida porque Yansã, em yorubá, significa mãe de 9! (yá = mãe, messã = 9). Se ele for de Xangô então, sai correndo! rsrsr Xangô tinha três mulheres: Yansã, Oxum e Obá. Aí já viu, só plastificando o instrumento de trabalho...
    Abraço.

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